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Miguel Anselmo

“Nada é de natureza assim tão casta”:

a produção artística de Miguel Anselmo

 

As séries de Miguel Anselmo,  têm como principal força motriz a fragilidade e a efemeridade do ser, e buscam exteriorizar a profunda vulnerabilidade do homem à mercê da ação do tempo. Assim, como uma espécie de raio-x da essência de vidro que configura o ser humano e todos os seres viventes, suas séries Fósseis contemporâneos e De todo coração conduzem o espectador a uma indagação controversa, que busca ampliar a esfera das relações simbólicas: elas retiram a objetividade dos elementos e as deslocam a outro terreno, delicado e questionador, que evoca conceitos amplos como vida e morte. Outros valores igualmente essenciais perfazem a iconografia do artista: a liberdade ou a ausência dela, retratada em Pardais; a necessidade do autoconhecimento e do reconhecimento do outro no estabelecimento das relações afetivas, explorada em Uns; o sexo como fonte vital de perpetuação, explicitado em Rubor e Cruising.

@Arpad Alexander

Não só os vínculos sociais, mas também a ilusão dada pela religião e as carapaças que o homem constrói são evocadas nas obras do artista. Suturas, inspiradas no ato primitivo de bordar, no convívio familiar, tornam-se ossos; pinceladas precisas enganam os olhos e se transformam em azulejos, madeiras e papéis de parede, que transmitem a ideia de proteção e acolhimento; sagrados-corações são desenhados sobre tábuas de corte para mostrar que a fé pode ser um alimento temporário e suprir a necessidade de transcendência do homem em estado de abandono.

Tais elementos do plano das ideias, traduzidos em símbolos pelo apurado rigor técnico do artista, levam o espectador a enxergar sua configuração física como algo que tem validade condicionada à natureza, uma tentativa de desmistificar o heroísmo em voga na sociedade contemporânea. Miguel Anselmo coloca em xeque a noção de indestrutibilidade, e afirma que se a princípio ela pode parecer atraente, a longo prazo revela-se ilusória e até mesmo perigosa, dada a nossa compleição débil. Como afirma Carlos Drummond de Andrade em seu poema “Relógio do rosário”: “E nada basta, nada é de natureza assim tão casta/ que não macule ou perca sua essência ao contato furioso da existência”.

Pequena Bio

Miguel Anselmo é artista visual e restaurador especializado nas técnicas de trompe l’oeil e ilusionismo. Utiliza os mais diversos materiais em suas criações artísticas. Foi o único representante brasileiro a participar do 2º Festival de Trompe L’Oeil da cidade de Lodi, na Itália, em 2004. Além de seu trabalho autoral, o artista dedica-se também à restauração de objetos de arte, incluindo o aspecto pictórico de prédios históricos. Em 2013, fez parte da equipe que restaurou os adornos artísticos do edifício Ramos de Azevedo, edificação construída em 1920 que atualmente abriga o Arquivo Histórico de São Paulo. Em 2014 foi o responsável por recuperar a pintura original da abóbada e do altar da Igreja Luterana Martin Luther, na avenida Rio Branco, em São Paulo. Fundada em 1908, ela é considerada o primeiro templo em estilo neogótico da capital. Sua exposição individual mais recente, intitulada Fósseis contemporâneos, ocorreu em 2018, na Biblioteca Mário de Andrade, em São Paulo. No mesmo ano foi convidado a desenvolver a parte pictórica das peças de porcelana da série criada pelo artista chinês Ai Wei Wei, para a exposição Raiz, realizada na Oca do Ibirapuera. Natural de Porto Alegre, cidade onde passou a infância e a adolescência, Miguel Anselmo atualmente reside em Santa Catarina.

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